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Look Grunge – Decadente é atraente

Paredes-meias com a idade

Por estes dias, as casas assumem a sua idade e exibem-na com orgulho, mostrando-se ao mundo de cara lavada e paredes cruas, sem tintas ou revestimentos maquilhadores do desgaste próprio dos materiais, imposto pelo tempo e pelo uso, pela ruína do abandono, ou pelo excesso de vivência sem apreço pela manutenção. Esse espírito boémio de quem muito vive, e de forma temerária, sem virar a cara a mais uma aventura e sem temer consequências exprime-se, por estes dias, nas paredes, expostas em toda a sua decrepitude e disso dependendo para se imporem como elemento decorativo central e dominante. A estas novas velhas paredes, expostas sem pudores, exibidas com inestimável e afrontoso orgulho se dão muitos nomes. Tantas nomenclaturas quantas as suas possíveis faces. Paredes delapidadas, desgastadas, agastadas, texturadas, exauridas, cruas, descascadas, despidas, desnudadas, texturadas, decapadas, velhas, envelhecidas ou, noutras línguas, distressed walls – paredes angustiadas, em bom português –, raw walls, pelling walls e délabré são adjetivos de uma vasta família de nomes que se atribuem a este estilo de parede decrépita. Quanto a nós, Light It Be, a elas nos referimos como simplesmente decadentes. Estão para a decoração de interiores como o grunge para a música. Trazem na sua superfície a rouquidão, rudeza e rugosidade de uma voz roufenha, cheia de nuances, ‘ferrugem’ e cambiantes isentas de artifícios e disso gostamos nós. E muito.

O elogio do decadente, a valorização do velho

O look grunge toca os princípios do estilo wabi-sabi, mas é mais urbano. Celebra o rústico, mas acentua-lhe a passagem do tempo. Nas veias corre-lhe o mesmo sangue do shabby chic, mas rejeita o romantismo delicodoce. É a celebração do que é velho e gasto, usado e puído, mas é a nova grande tendência, tão desejada no design de interiores que se força o novo a envelhecer. Sempre que não há tempo para dar tempo ao tempo apressa-se o tempo. Criam-se artificialmente patines e inventa-se sobre a frescura de paredes novas tempo extra que por elas ainda não passou e usos que ainda não experimentaram. Engenhosos artifícios nascidos das mãos sábias de pedreiros, manuseados com a expertise de pintores e estucadores, ou inventadas pela criatividade de decoradores e artistas. Atenta a esta tendência universal pela imperfeição, pelas rugas dos rostos de alvenaria feitas, a própria indústria da especialidade abrevia caminhos e apresenta short cuts, tão práticos e fáceis de utilizar como papéis de parede, painéis de madeira envelhecida, decapada ou queimada ou mesmo revestimentos cerâmicos que recriam com fidelidade e bom-gosto a velhice dos materiais, a oxidação do ferro, o desgaste em qualquer tipo de matéria, por nisso reconhecer maior caráter e personalidade. Porque é mais fácil afeiçoarmo-nos e chamarmos casa a um espaço despretensioso e acolhedor carregado de histórias e cicatrizes, do que a estéreis ambientes que parecem sempre acabados de nascer.

Necessidade, técnica e criatividade

Assumido, sem dramas, em segundas habitações, para as quais há menos verba para restauros dispendiosos, ou porque se vai adiando a recuperação de uma casa velha cheia de potencial, estas paredes ganharam expressão em lofts, cabanas de montanha ou de praia. Ligam bem com o estilo industrial, ao qual se exige pouco polimento e delicadeza nenhuma. Paredes e portas descascadas, pouco cuidadas e carentes de manutenção são facilmente aceites em casas de campo ou choupanas com o pé na areia. Elas acionam boas memórias de férias e calor, em coordenadas que moram a Sul, e exalam o lado silvestre da vida ao ar livre e de frontal e despreocupada exposição aos elementos. Reforçam estilos de vida mais interessados em viver, desfrutar e experimentar do que em quererem parecer perfeitos e impecáveis. São próprias de construções sólidas, onde o esboroar do reboco não sinaliza falta de resistência, pois expõe a pedra, o tijolo e a sólida estrutura de betão que, não obstante o desgaste exterior asseguram, ainda assim, a sua ossatura e robustez. São sinónimo de personalidades descontraídas e plenas de autoestima, que assumem a sua natureza, a sua origem e os seus defeitos e excessos. Transformam em muito aquilo que parece pouco e esse passe de mágica é apaixonante e atrai sorrisos, porque feito à frente de todos, sem medos, vergonhas. Com nada na manga.

O velho é novo

Aquilo que só o tempo sabe esculpir com rigor e sem pressas, de forma aleatória e com mão de artista é agora imitado, recriado com afinco num faz de conta que, ao contrário de aspirar a rejuvenescimentos, se sente atraído pelo saber de experiência feito, pela idade e vivência, pelo usado e gasto, pelo decrépito. Essa erosão é replicada com todo o tipo de artifícios, do cimento queimado, aos mais variados revestimentos de parede, passando por técnicas de pintura que misturam cores e seus matizes, de maneira a que não cheguem à uniformização da superfície, numa ilusão de textura, de rugosidade e de envelhecimento, na clara imitação da ferrugem, do velho, dos orifícios do bicho da madeira, do negrume da decadência. Um poderoso statement que leva à letra a máxima de que o lixo de uns é o luxo de outros. Patente numa parede singular, ou numa pluralidade delas, este estilo ganha espaço e adeptos em inúmeros projetos de recuperação, mas também de raiz, valorizando o princípio sábio do wabi-sabi de que não existem imperfeições, apenas traços identitários, apenas identidades, apenas coisas e as suas circunstâncias e vicissitudes.

A arte do tijolo à mostra

Podendo, todos teríamos paredes – uma  pelo menos, por pequena que fosse – assinadas por Alexandre Farto, aka Vhils, seguramente um dos artistas portugueses que mais inspira a tendência do apreço por estas paredes esculpidas, onde se veem ou apenas onde nelas imaginamos rostos, traços e histórias que nos antecederam e nos sucederão. São paredes com profundidade, descarnadas por camadas, expondo-se ao limite do possível, que assumem, de uma só vez, função e decoração. São elementos autossuficientes na decoração, bastando-se a si próprias para ‘enfeitar’ e abismar, estando elas mesmas tão no seu limite, tão à beira do abismo, mas não do colapso. Em contraste com ambientes clean e minimalistas, assumem uma certa afronta, desdenhosa da perfeição que acaba por valorizar ambas as estéticas. Quando incorporadas em ambientes faustosos e maximalistas elevam a um outro patamar o perfil boémio e blasé, onde peças de autor e design contemporâneo se encaixam tão bem como uma poltrona comprada numa loja de velharias ou antiguidades.

Paredes roufenhas de rosto agastado

Tijolo, betão armado, estruturas de madeira antigas, tudo exposto como carne escorchada, como joelhos esfolados. Apenas carne e osso, tendões e nervos, todos eles elementos fundamentais numa casa que se deseja habitar. Numa oficina como a dos candeeiros Light It Be, onde troncos de madeira ao abandono são olhados como matéria de exceção, reconhecemos esse amor pela imperfeição, pelo capricho do tempo e dos elementos que torneiam e despenteiam, moldando livre e selvaticamente o mundo. Damos valor às rugas e acidentes de percurso, que tornam tudo tão único e inimitável, tão especial e desafiante. Tão natural e humano. É sempre com pudor que usamos a lixa o formão ou o cinzel, mexendo apenas o necessário para conseguir o necessário à funcionalidade da peça. Porque, aos nossos olhos, perfeita é a imperfeição de cada ramo, galho ou broto que já se adivinhava. Não confundimos perfeição com a lisura do plástico ou o acabamento industrial e mesmo perante os nossos erros manuais, pensamos muito antes de ‘corrigir’, para não ferir o inesperado e a surpresa. Valorizar o tempo, o desgaste e a possibilidade de erro não promove apenas a possibilidade de beleza de qualquer peça ou objeto, dá-nos, a nós próprios, muitas oportunidades, tantas quantas as necessárias para sermos felizes e realizados naquilo que amamos fazer. Concede-nos o direito intrínseco de errar, de falhar e voltar a tentar, ou apenas aceitar o resultado com graciosidade. Isso, sim, é perfeito! Isso ilumina.

Fotografias – Light It Be e Pinterest

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