Mais perto do que está perto
Isolados em casa, por conta do Coronavírus e da Covid-19, carregando o mundo todo às costas da Internet, qual caracol tecnológico, acabámos mais perto do que fica perto ou, melhor do que isso, daquilo que queremos mais perto do coração, da nossa pele, dos nossos sentidos. Percebemos prioridades micro num universo cada vez mais macro e tateamos no vazio os abraços impossíveis enquanto nos privamos do alimento que deveria figurar no topo de qualquer cadeia alimentar: o amor. O afeto que sentimos pelos outros, aquele que inegavelmente outros sentem por nós, e que agora se sublinha cá dentro, o colo que gostaríamos de estar a oferecer e aquele onde adoraríamos poder enroscarmo-nos por estes dias de bizarria feitos. Ficamos mais perto, porque delas estamos mais longe, das coisas que verdadeiramente importam e que, na azáfama do quotidiano se perdem na tola e falsa garantia de que as teremos para sempre e que o ‘sempre’ dura uma eternidade e que a elas poderemos regressar quando quisermos, que a elas poderemos voltar um dia, uma hora que, na verdade, nunca se proporciona nas agendas. Entendemos agora que sacrificamos o calendário emocional a troco de qualquer outra coisa: mais uma hora no escritório, menos um jantar de família, mais um problema aparentemente inadiável, menos um encontro possível, mais cansaço a somar ao resto, menos sono a subtrair à clareza de raciocínio e os dias que se repetem nesta métrica que impossibilita a agenda sentimental. Talvez agora tudo mude. Claro que pode sempre mudar para pior, como bem percebemos numa altura em que um vírus invisível e resiliente tudo altera, e de forma profunda, no universo humano, mas vale a pena acreditar que havendo mudança, ela só não se operará para melhor se, juntos, efetivamente não o quisermos. Vale a pena crer e mais ainda querer. Vale sempre a pena querer, pois havendo vontade, haverá caminho, não apenas um, mas muitos à escolha.
O Sr. Zé, a D. Rosa e a Margarida
Neste balizamento forçado, imposto por palavras que saltam céleres do dicionário – com a força de uma pandemia, a estranheza do isolamento, e a impensável quarentena – para moldar, de um segundo para o outro, a vida de todo um planeta, nesta avaliação de distâncias, fomos ficando mais perto do que está perto, mais próximo do que está, de facto, ao alcance da mão e mais alerta para a mecânica das coisas. Quem nos diria que o distanciamento social – quase soa a sociopatia – nos permitiria ficar mais perto de quem sempre esteve perto? De quem sempre ali esteve, a fazer, a produzir e a exceder-se em qualidade portas meias com a nossa existência? O medo do hipermercado e de todos aqueles espaços urbanos que, nas cidades, impõem rotinas à nossa vida, e onde agora se somam receios e inseguranças, trouxe de volta à rotina doméstica a urgência de autenticidade e honestidade e, com elas, a produção local, os legumes do Sr. Zé, a fruta da D. Rosa, as máscaras habilmente confecionadas pela vizinha do terceiro esquerdo, cujo nome, até então, nem poderíamos adivinhar – por aqui, chamamos-lhe Margarida –, e introduziu no nosso conhecimento a tomada de consciência da solidão dos mais idosos e a precaridade dos mais frágeis, a quem, agora, levamos o pão e o almoço. O medo do fim é poderoso, mas a vontade de viver é-o ainda mais.
Podemos, no final de tudo isto, quando final houver, não ficarmos todos bem – jamais isso acontece –, nem todos melhor, mas temos de perceber que é uma oportunidade magnífica e talvez irrepetível para todos os nossos contemporâneos de decidir fazer mais e melhor. O que quer que seja, mais e melhor. Principalmente agora que entendemos que talvez o mais importante não fosse aquilo que fazíamos antes, da forma que o fazíamos. Lirismo? Talvez, mas dele se enchem páginas de livros que nos fazem sonhar e desejar ser melhores. Connosco mesmos. Com os outros, definitivamente, e com o planeta. Forças motrizes que enchem igualmente as páginas dos nossos dias na oficina dos candeeiros Light It Be, nascidos dessa vontade de mudar para melhor e de agir sempre com paixão.
Sabores do coração e da memória
Este ficar mais perto do que está perto tem implicações pessoais, sociais, económicas, financeiras, políticas, filosóficas e muitas mais se lhes podiam somar. Encerrados em casa, em nós próprios e na nossa cabeça, é desejável e espectável que percebamos que podemos e devemos controlar mais, e de forma mais sustentável e lógica a nossa vida e o meio em que vivemos, local e globalmente. Repensar, reciclar, reutilizar, remendar, reaproveitar e agir comunitariamente permite-nos ter mais coisas sob controlo e com isso minimizar ansiedades e possibilitar maior realização e satisfação pessoais, ou seja, potenciar a felicidade. Muitos de nós nunca se tinham alimentado tão bem quanto nestes meses de clausura, nem apreciado alimentos cujo sabor julgávamos enterrado na nossa infância, por força da imaginação das crianças, supúnhamos, e em que os morangos sabiam a magia e os tomates eram saboreados pelo nariz, por onde entravam partículas que inundavam a boca com pequenos festivais de prazer. Hoje, morangos, tomate e tudo o mais, sabem exatamente ao mesmo, porque são quase produtos de laboratório, pensados para parecer bem e durar mais, já que a todos eles ainda os aguardam longas horas de viagem até chegar ao consumidor final. Sabem ao mesmo porque se cultivam o ano todo, sem respeito pelo calendário solar, nem pelo repouso das terras. Na verdade já quase não precisam de terra, de sol ou de água, apenas de ciência e credulidade consumista. Irrompem sinteticamente por força de um sistema de cultivo intensivo, em estufas de plástico, molecularmente estudados para parecerem mais saborosos aos olhos do que às papilas gustativas e cumprirem o sonho da rentabilidade, a qual só acabará por ter sabor para os administradores daquele banco suíço, ou qualquer outro paraíso, onde se encontra o fim desta linha de produção artificial, os quais, por sua vez, se banqueteiam com legumes de produção caseira, pois sabem bem que é mais saborosa e rica e que o Sr. Zé é mestre naquilo que faz. Eles sabem, e nós também deveríamos saber, que sem o colo da terra, as diabruras do clima e a sapiência dos agricultores, o que brota das plantas não pode saber ao mesmo, pois nesta cadeia ancestral há respeito pelo meio, entendimento tácito entre Homem e Natureza e que isso significa amor e longevidade de recursos, como bem sabem os nossos candeeiros de madeira, nascidos de árvores e reinventados por nós, e outro tanto sabe a luz que deles sai, com a qual nos iluminamos para escrever estas linhas. Talvez a história não seja bem assim, mas não andaremos longe, pois já aprendemos a ler o mundo e a imaginar o resto.
Produção local, economia inteligente, gente feliz
De nada servem patriotismos bacocos, mas serve de muito entender que devemos dinamizar a economia local, a produção e fabrico nacionais e que uma verdadeira autonomia, dos indivíduos e dos países, só se constrói se tivermos independência para fazer, escolher e decidir e se percebermos que aquilo que consumimos não precisa de viajar desde a outra ponta do mundo, enriquecendo cada vez mais os grandes grupos económicos à escala global, consumindo recursos e poluindo o planeta pelo caminho. Perante um futuro próximo, muito próximo, robotizado, onde as máquinas farão a maior parte do trabalho hoje desempenhado por mão de obra humana, centremo-nos naquilo que máquina alguma – pelo menos para já – nos poderá retirar: a imaginação, a criatividade, a solidariedade, a empatia, a compreensão, a arte, a poesia e a filosofia, a sabedoria das mãos de quem faz aquilo que ama, o engenho do inventor e do malabarista e a capacidade de pensar em tudo isto. Perante um futuro incerto, estranhamente incerto, no qual de presente de Natal a humanidade pede hoje uma vacina, ou uma cura, convém repensar o mundo, valorizar o lado humano e ecológico da produção, revalidar o artesão, o trabalho manual e distintivo, modos genuínos e sustentáveis de fazer e de acontecer, importa promover economias de desperdício zero e fazê-lo localmente e à escala nacional. Não precisamos de importar tudo aquilo de que necessitamos. Fica mais barato, dirão. Claro que sim, pois que é feito com menor qualidade, recorrendo a mão de obra barata e precária, sem respeito pelo ambiente, pelos operários ou sequer pelos consumidores. Os valores praticados revelam economias que servem apenas a máquina oleada pelos detentores dos grandes grupos económicos, os tais que se banqueteiam com o genuíno, o natural e saboroso, enquanto exportam a ideia da massificação e da artificialidade. Esta, por sua vez, assenta no princípio publicitário de nos fazer desejar não aquilo de que realmente necessitamos, mas aquilo que imaginamos precisar. Ao criar falsas necessidades enchem-nos os roupeiros de roupa igual que mal chegamos a estragar, os frigoríficos de produtos que por serem mais baratos compramos em demasia e que apodrecem sem conhecer o fundo do tacho e outras tantas calamidades como estas.
Queremos ser únicos fazendo tudo igual
Estimamos tanto a nossa individualidade e não entendemos a estranha idiotice de encontrar um simples cachecol, o mobiliário de toda uma casa ou o que quer que seja, em lojas que se replicam ao milímetro em qualquer destino do mundo e onde tudo é igual. Já nem precisamos de viajar, a internet traz até nós. À exceção da diversificada Natureza, é tudo igual em todo o lado. Isto, enquanto não acabarmos por mudar também o rosto da diversidade dos ecossistemas, nivelando-os pelo princípio do betão.
Voltar ao comércio local, à produção manual, à roupa por medida, às mãos sábias de quem conhece os ofícios, sejam eles quais forem, é voltar a dar importância à qualidade, ao esmero com que as coisas são feitas, à sua capacidade de serem únicas e irrepetíveis. É voltar a apaixonarmo-nos pelo detalhe, pelo pormenor distintivo, pelo erro e pela marca registada da inevitável falha humana. É banquetearmos a nossa vida com coisas que resultam do afeto e da paixão e vivermos como se fossemos donos do mundo, porque, na verdade, assim estaremos a sê-lo de verdade. Donos do nosso mundo. É sair do provincianismo bacoco de que o que é estrangeiro é que é bom, é apostar nos saberes ancestrais e na manufatura de qualidade, é entender que não precisamos de renovar o guarda-roupa a cada seis meses, nem a decoração da casa anualmente. Quando a aposta recai na qualidade e durabilidade dos materiais, no traço único dos objetos, na originalidade dos métodos, quando se valorizam os longos dias de dedicação que cada coisa implica, a sua unicidade e os procedimentos amigos do meio ambiente, então, compreendemos que as coisas não são assim tão caras, porque durarão mais, uma vida se o quisermos, porque são únicas e apenas nossas, moldadas ao nosso corpo, casa e estilo e porque dificilmente as quereremos trocar na próxima estação, em função de trends ou modismos. Assim, depois do sensato “fique em casa”, porque não experimentar o “fique no made in Portugal”, na confortável exclusividade do que é genuíno, artesanal e nosso?
Parece que o artesanal é o novo industrial
Mais vale pouco, mas bom, do que muito sem qualidade ou real préstimo, estilo ou capacidade de sobreviver ao teste do tempo. Voltar a olhar para perto, para a produção local, para o fabrico nacional, para a excelente capacidade que temos de fazer, de fazer bem e nos excedermos em qualidade, e conseguir valorizar tudo isso deve ser a nossa revolução individual. Saber colocar um valor na dedicação, no tempo de execução, no brio, na criatividade, na autenticidade, honestidade, criatividade e no sorriso de quem faz algo por paixão. Isso tem um valor que se reflete na beleza dos objetos, no sabor dos legumes, na simplicidade do resultado. Porque o que é nacional é ótimo e porque nada substitui as laboriosas mãos do Sr. Zé e da D. Rosa, sem esquecer a nossa Margarida. Mãos nas quais incluímos as da Light It Be, que por aqui andam a tatear possibilidades e luz.
Fotos – Pinterest
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