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Amar o mar – À moda mediterrânea

Temperado com sul, sol e sal

Sobre esta lengalenga, trazida pelas brisas marinhas e ritmada pelas ondas do Atlântico e do Mediterrâneo, nós, os lusos, pouco ou nada temos a aprender e tudo a ensinar. Sabemos de cor os seus segredos e caprichos, como quem conhece de ginjeira algo que muito se ama. Reconhecemos o sabor do sal no vento, o mesmo que acaricia as dunas das praias da nossa extensa orla costeira, despenteia a vegetação rasteira que enfrenta o mar e encrespa com salmoura o nosso cabelo. Temos na pele a cor morena que o sol nos imprime e os jeitos blasé de quem vive a sul. Sabemos desde sempre que a cor das paredes se quer branca de cal para refletir e, assim, espantar o calor e refrescar o interior das casas, as quais, preferencialmente, se constroem com grossas paredes para melhor filtrar as altas temperaturas dos verões ensolarados e melhor travar os agrestes frios do mais impiedoso dos invernos. Sabemos tudo isso por mera observação das casas dos avós, onde passámos intermináveis férias, naquela idade em que o tempo e o seu passar parecem oferecer resistência, vagueando lentamente pela nossa infância e adolescência, em que tanto desejávamos que ele corresse. Corríamos nós à sua frente, em infinitos passeios de bicicleta, porque tudo era eterno, então, tal como as casas dos avós, construídas para durar gerações e onde, como em nenhum outro sítio, nos sentíamos protegidos com capas mágicas e poderes de super-heróis. Éramos eternos, tal como o verão, o calor e as férias grandes, quando estas eram mesmo grandes.

Estilo mediterrânico – 100% nós

Sabemos que o chão se quer de tijoleira ou outras cerâmicas que refresquem os estios e amornem as invernias, porque o barro é amigo e a terracota não lhe fica atrás. Reconhecemos a madeira maciça de algumas estruturas, telheiros e pérgolas, as canas, os vimes e todas as fibras naturais que lhes servem de chapéu, projetando aconchegantes padrões riscados no chão e nas nossas caras sardentas da praia, quando sob eles almoçamos, refastelando-nos em ricos menus de risos, moleza e bem-estar. Compreendemos ainda o porquê do ocre e do azul cobalto nas molduras de janelas e portas e no remate que une a casa ao chão, pois são cores e pigmentos que afugentam os bichos do sul, ou assim se acredita, mas porque duvidar do que fazem os anciões e do que faziam os anciões destes quando tudo o que faziam eram bem mais sábio e sensato do que tudo aquilo que agora decidimos fazer? Porque duvidar de algo que sempre funcionou? Não vamos em modismos, pois estes são incertos e voláteis, enquanto a segurança vem de coisas testadas pela vivência, pela boa vivência e essa ficou longe. Fixou morada nos tempos em que Homem e Natureza dialogavam, parou no tempo em aquilo que fazíamos e o modo como o fazíamos respeitava o meio-ambiente e os ecossistemas. Deixámos de ouvir essas vozes trazidas pelo vento, sussurradas pelo sol e replicadas pelos avós, para escutarmos apenas os nossos caprichosos desejos. A nossa birra traz consequências que só agora começamos a avaliar e apenas porque só agora interfere de forma terrífica na nossa felicidade, na nossa saúde, na nossa vivência.

É preciso ter fibra

Sabemos que as fibras naturais, por norma autóctones a cada região, são precisamente as mais adequadas para vestir o nossos corpo e a nossa casa, pois a Natureza quando ‘fabrica’ fá-lo para todos. O linho refresca a pele e a janela e o algodão é a melhor cama do mundo. Sabemos também que não há artifício que resulte tão bem como os tingimentos naturais ou mesmo a crueza do que já vem pronto da natureza. Que a madeira se quer pura e respeitada e que mesmo que o sol lhe queime o rosto, o cinzento que se segue ao seu dourado ou bronzeado naturais é tão belo quanto estes. Porque o espírito mediterrâneo não se incomoda com a velhice, nem com os anos, apenas com a pureza dos materiais, a sua resistência e beleza naturais. Tudo o resto caia-se, enfeita-se de giestas e outras belezas silvestres, adoça-se de refrescantes limonadas e lava-se na água do rio ou do mar, que tudo purifica. O que está em falta fia-se com as mãos, tece-se no tear, ele próprio, artesanal, molda-se no barro e colhe-se no campo. As matérias-primas são isso mesmo, primas direitas do terreno. Dele se recolhe o xisto ou qualquer outra pedra, a madeira e as fibras vegetais, que servem de cabeleira aos campos, vales e montes, e onde linho, chita e serapilheira se equiparam na medida exata em que ambas são necessárias, para uma camisa de festa, para cortinas e colchas para a casa ou para uma saca para os cereais. Tudo é nobre, porque tudo tem o seu lugar e a sua função. Quanto às sobras, bom, elas são inexistentes, porque logo que alguma coisa sobra, logo é aproveitada. Com os tecidos, por exemplo, reúnem-se harmoniosamente, em função de cores e tecelagens, em colchas ou talegos (sacos de pano multifunções, muito utilizados para o pão, feitos de retalhos de tecidos e muita criatividade). A esta economia se moldam soluções estruturais, com bancos, armários, estrados, mesas, bancadas e outro tanto a ser concebido em alvenaria e a colar-se aos próprios alicerces, dispensando a posterior aquisição de peças de mobiliário, de grande ou pequeno porte, e dando longevidade e durabilidade a objetos de todos os dias, que sempre serão necessários e que sempre lá estarão como no primeiro dia, intrinsecamente conectados à casa. As cores replicam as da paisagem e com ela se camuflam. A sul reconhece-se a primordial importância das árvores, pelos frutos que dão, e pela sombra que salva. Nenhuma outra sombra é tão refrescante e apetecível como a de uma árvore. Sobreiro, oliveira, castanheiro, alfarrobeira, choupo, pinheiro bravo ou manso, chaparro, nogueira, loureiro ou qualquer outra que tenhamos a sorte de ter no pomar ou jardim. Nenhuma outra água refresca e sacia a sede como a de um rio. Nenhum outro som nos chama a atenção para a nossa patética insignificância como o do mar, mesmo em dias de calmaria.

Estilo mediterrâneo – Os materiais

– Pedra

– Madeira

– Argila

– Terracota

– Cal

– Cortiça

– Canas

– Vime

– Sisal

– Estopa

– Linho

– Algodão

– Juta

– Serapilheira

As cores

– Branco

– Bege

– Tons naturais

– Azul-cobalto

– Azul-índigo

– Ocre

– Amarelo

– Verde

– Terracota

Lições preciosas

Se prestaram atenção às lições da infância, todos aqueles que tiveram a sorte de privar e amar avós que viveram no campo e que com ele comungaram, aprenderam um milhão de verdades e alegrias que tudo devemos fazer por replicar. Nas casas dos avós nada estava em excesso, nada havia em falta. O mobiliário era o de origem, não por falta de interesse ou padrões estéticos, mas porque eram de boa qualidade, ainda que podendo ser humildes, porque eram honestos e porque cumpriam a sua necessidade. A cama era segura e confortável, os tecidos 100% naturais, as panelas eram de barro, os talheres de alumínio, leves e duradouros, e a estética era simples, mas delicada. Uma honestidade que se percebia ainda no dialeto que permitia entre função e estética, entre utilidade e beleza. Nada na casa dos avós era feio, apenas simples e despretensioso, funcional e duradouro e essa é a maior beleza a que qualquer objeto deve aspirar. Almejar isso é fixar bandeira no pináculo do design, na medida em que este visa cumprir uma função, suprir uma necessidade e apresentar-se belo.

Outro tanto podíamos dizer sobre a comida e os seus temperos, nascidos num canteiro e alimentados com o carinho de quem valoriza esses pequenos tesouros: um pedaço de terra, uma semente segura, uma joaninha que purifica, uma abelha que poliniza, uma árvore que dá sombra, a cortiça que dá tarros, cochos ou cocharros, bem como os melhores ‘tupperwares’ do universo. Com o estilo mediterrânico aprendemos como é bom saber, e de facto valorizar tudo aquilo que temos, todos os materiais que estão à mão, sem sonhos de artificialidade e com desconfiança do produto sintético, massificado. Tudo o que rodeia este estilo puro e purista é feito artesanalmente, localmente, recorrendo a matérias-primas vegetais ou minerais vizinhas, em total respeito com a Natureza e os saberes ancestrais. Formas de pensar e de produzir responsáveis e autossustentáveis, naturalmente harmonizadas com a Natureza, logo, com o Homem. O engenho nasce da adaptação do Homem e das suas necessidades aos recursos existentes e não da submissão da Natureza aos caprichos dos seus habitantes. Um diálogo recíproco, onde todos fiam a ganhar.

South, Sun, Salt and Sand

Nestas terras quentes do sul, onde o sol, o sal e a areia se dissolvem em paisagens paradisíacas, mesmo quando o além-tejo é também além-mar e o interior se adorna de chaparros e não de dunas, aprendemos ainda que do nada se faz muito, desde que haja engenho e poesia. Por estas bandas, tentar domar a Natureza é pecado mortal e demasiado tolo para ser considerado, considerando-se mais acertado domesticar consumos e tontearias capazes de ferir ecossistemas. O estilo mediterrânico é o de gente que sabe amar aquilo que a rodeia, que sabe fazer e para quem isso é valor. Gente para quem candeeiro entra em rima solta com um simples toro de madeira, como os dos nossos Light It Be. Por estas bandas, a sul e ao sol, sucedem-se estes passes de magia pura, onde ilusão não entra. O pão torna-se açorda, o barro louça fina, o vime leva-se na cesta, a cal é uma ventoinha a espalhar brancura e frescura e qualquer tronco de madeira é tudo aquilo que se desejar ou, melhor, tudo aquilo de que se necessitar, que mais do que isso é desperdício. Porque o amor está no coração de quem ama. Assim, entrar no espírito mediterrâneo é apenas trazer um coração no peito e essa é a melhor lente para ver ao perto e ao longe, com sabedoria e ciente de que jamais errará a rota, porque há uma verdade pura que orienta. Apenas com isso vai ganhar sal na alma, vestir a pele de sol e perceber que precisamos de pouco, tão pouco para ter tudo. Simples, puro e eterno, como as férias de verão da nossa infância.

Uma casa mediterrânea é, a bem da verdade, aquela onde habita gente que sabe olhar, amar e respeitar a Natureza. E quem ama sabe que aquele que se ama deve ser livre. Para ir e para voltar.

Fotos – Pinterest

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