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TropiCaliente – Yes, please!

Agora, que nos dizem que devemos ficar em casa, agora que olhamos mais para dentro, enquanto sentimos a dolorosa falta de tudo e todos os que estão lá fora, agora que não ousamos ainda pensar em viajar fisicamente, agora que tudo parece ter mudado irremediavelmente e para sempre, apetece-nos falar de jardins, de casas que se abrem ao exterior, de arquiteturas ecofriendly, de decorações que se ornamentam de paisagem real e dela dependem para serem casas melhores, mais apetecíveis e escandalosamente mais convidativas e nas quais também os habitantes são tidos como apenas mais um elemento. Tudo em harmonia, de janelas abertas e paredes em falta para uma total simbiose. Uma outra forma de repensar o mundo, a forma como nos vemos e nos relacionamos, com o mundo e com os outros e de nos reinventarmos.

TropicalMente

Pensar tropical, desenhar tropical, conceber e arquitetar com ‘tropicalidade’ é sempre, em qualquer circunstância, criar em parceria com a Natureza. Mais do que isso, é elogiar a Natureza, homenageá-la, elevá-la a um estatuto omnipresente e, nesse sentido, divino, porque se aceita que ela seja a mais completa arquiteta, a mais eloquente decoradora, o mais perfeito elemento em toda a equação da habitabilidade. Um ponto de partida que tem tanto de humilde e reverencial, como de egoísta e oportunista – no melhor dos sentidos, ou mesmo, para todos os sentidos. Render-se ao espírito, mais do que isso, à filosofia tropical é dar como certo que não faremos nunca melhor do que a Natureza e que a ela tudo devemos. O que implica um olhar maravilhado, um olhar respeitador e admirador da paisagem –  daí a humildade e a reverência –, e o desejo absoluto e irremediável de a absorver, de a incluir no traço humano, nas linhas do arquiteto, nas paredes do designer de interiores, no coração dos objetos, e aí reconhecemos a infantil artimanha e o desejo de tudo tonar nosso. É fazer da Natureza pilar e viga estruturais e papel de parede, paisagem e habitante primeiro de qualquer projeto. É render-lhe a mais nobre das homenagens: torná-la omnipresente na casa, onde será sempre convidada de honra, respeitada e mimada como família. Família direta, tratada com alguma formalidade, mas no colo de quem nos aconchegamos quando apetece chorar e pela mão de quem dançamos à chuva quando há tudo para celebrar.

Elemento absorvente da decoração

Uma premissa arrojada, que nasce com propriedade nas amenas coordenadas dos trópicos, em amistosas geografias de temperaturas quentes e brisas refrescantes, onde luxuriante vegetação parece desenhada para estarrecer os sentidos e onde o enlevo permite pensar que Deus é, afinal, um refinado e dedicado jardineiro. Só com a temperatura certa, a ideia de abrir a casa ao exterior, e não apenas por via de artifícios de cristal – vãos inteiros, pés direitos gigantes e envidraçados, claraboias e inexistentes paredes –, se torna possível e, mais do que isso, apetecível. Arquitetos tropicais, tropicalistas, ou apenas amantes da Natureza são engenhosos criadores de casas que não oferecem resistência ao meio, apenas limam os excessos e dramas dos elementos, a fim de proteger do calor, da chuva e do vento. Casas que se camuflam na vegetação, que contornam florestas existentes, em vez de as derrubar, que aglutinam no seu interior árvores que há muito dançavam no terreno, incluindo-as no projeto, contornando-as, tornando-as, afinal, suas. Elementos naturais que apenas valorizam o projeto final, ele próprio construído e ornamentado, em grande parte, com matéria-prima de origem mineral (rocha, pedra e barro) e vegetal (madeira, bambu, casca de coco, amêndoa ou noz e fibras 100% puras). Parcelas a que se adiciona o engenho e a paixão humanas.

Tropicalizando

Este olhar, porém, não se limita a encostar paredes a florestas, nem em projetar telhados com rasgos e aberturas, o para que a copa de árvores pré-existentes, continuem a sua vida o seu rumo em direção aos céus. Pode parecer simples, como de resto parece tudo aquilo que chega perto da perfeição, que roça o supremo respeito pelo planeta, mas isso não quer dizer que seja simples, menos ainda fácil. Há todo um conhecimento técnico, mas mais do que isso, um conhecimento holístico. Não falamos de misticismos, mas de formas naturais, honestas e sem prepotências de projetar uma casa guiando-se por princípios de economia circular e regendo-se por princípios ecológicos de desperdício zero. Habitações sustentáveis e autossuficientes, que seguem ancestrais sabedorias de como fazer uma casa. Ventilação cruzada, em vez de ar-condicionado. Telhados de colmo, pés direitos agigantados, pisos que entram um pouco dentro da terra são tudo formas milenarmente testadas e frescas de refrescar uma casa, sem recurso a gastos energéticos. Sombreados, telheiros e varandas em redor de toda a casa, bem como paredes de terracota ou outras argamassas artesanais à base de barro e vegetais, permitem outro tanto no propósito de minimizar os rigores das estações, tornando-as mais frescas no verão e mais quentes no inverno. Técnicas vernáculas que vão buscar conhecimento aos anciãos da tribo e materiais nas cercanias. Porque se a terra naquelas coordenadas dispõe de certos materiais naturais: certo tipo de madeira, determinada pedra, terra com determinadas características, certas espécies vegetais… então, é porque tudo isso faz sentido naquele local e já foi testado pela Natureza envolvente, reagindo bem à ação dos elementos naquele quadrante, aos quais há muito se adaptou, ou dos quais brotou naturalmente. A favor de tudo isso, um fator económico de relevo: não implica deslocações nem transporte, o que diminui a conta final e, mais importante do que isso, aligeira a pegada de carbono.

Tropo-Tropi-Tropical

Criar e produzir com aquilo que esta à mão, recorrendo a materiais e técnicas consentâneas com o clima não apenas é próprio de artesãos – que dispensam luxos como desejar materiais ‘estrangeiros’ à região –, como revela respeito pelo entorno natural. Assim, não são apenas paredes e telhados que se vestem de matérias que a terra dá, como também a decoração se rende às matérias-primas mais à mão. Bambu e madeiras habituadas a climas quentes e húmidos, fibras vegetais, pedra, casca de coco ou de amêndoa… e muita imaginação dão corpo ao design tropical. Sob a mão sapiente de quem cria, um projeto ou objeto, e com base nesta harmonia de materiais e na sofisticação e ambição do traço, tudo acaba por encontrar o lugar certo. Nele, tudo parece nascido da terra. Tudo parece pertencer ali. Sem vaidades ou pretensões. Sem arrogâncias ou modismos. Quando assim é, quando há honestidade e simplicidade, e mesmo que o resultado acabe com alma assumidamente artesanal, o produto final só pode suscitar respeito e admiração. Porque o mais difícil é saber olhar para o lado e reconhecer nas coisas de todos os dias o seu melhor potencial e permitir oferecer-lhes a melhor versão possível de si próprias. Uma outra forma de convidar a paisagem a entrar em casa, dela fazendo parte integrante e ativa.

Deus é jardineiro

Quanto ao jardim… Bom, quando se vive nos trópicos, em comunhão com a Natureza, rodeado de luxuriantes florestas, plantas de folha larga e espessa, debaixo das quais qualquer sol abrasador se refresca e amansa, onde qualquer planta é exuberante e exótica, basta deixar tudo como está, ou aprimorar, talvez, alguns detalhes, como sejam possíveis canteiros e floreiras interiores – muito frequentes nas versões mais contemporâneas desta arquitetura –, ou jardins verticais, cuja função estética se complementa com a frescura que transmite ao olhar. Reflorestar é um conceito e uma urgência planetária que podemos, em nano-escala, trazer para dentro de portas.

Respeito pela Natureza. Compromisso ecológico. Apreço por materiais autóctones. Adoção de técnicas vernaculares. Replicar na arquitetura e no design linhas, contornos e padrões circundantes. Dispensar o artifício em nome do natural. Honrar a simplicidade dos fins e dos métodos. Alinhavar o diálogo com a paisagem. Camuflar-se não se impor. Amar sem exigências, o meio e as coisas. Saber escutar o local. Elogiar e nada exigir em troca. Introduzir na nova linguagem da arquitetura toda a sapiência secular. Não menosprezar o mais simples dos materiais… Formas humildes de se fazer convidado sem ofensas e de construir casas energeticamente mais autónomas e sustentáveis. Paredes de vidro permitem retardar dedos nos interruptores. Janelas opostas permitem correntes de ar que refrigeram a casa, permitindo ventilação natural. Pés direitos altíssimos conduzem o calor para o cimo, mantendo a zona térrea mais fresca. Varandas, telheiros e sombreados em redor da casa retêm o calor e servem de guarda-chuva às águas torrenciais. No fundo, basta usar de bom senso e não contrariar a lógica das coisas, impondo arquiteturas e engenharias, materiais e olhares desarticulados com o entorno. Porque há muito a aprender com a Natureza e o tal ‘jardineiro’.

Dir-nos-ão, porventura: “Acontece que não vivemos nos trópicos”, e a esse reparo que aponta o dedo a evidências diremos apenas “Que isso não seja um obstáculo” a criar atmosferas exóticas, tropicais ou outras, porque todos conseguimos aquilo a que nos propomos, até a sentir o sol na cara e no coração mesmo em dias de chuva, mesmo dentro de casa. Na falta de terra, jardim ou canteiros, usaremos vasos, na falta se paisagem, elegeremos papel de parede, à falta de dinheiro oporemos criatividade e engenho. Afinal, o tropical é acessível em qualquer lugar do planeta. Interprete-o.

Esperemos que tenham apreciado esta ‘viagem’ aos trópicos, e que tenhamos conseguido tirá-los de casa sem que dela tenham saído. Agora voltamos para a Oficina da Luz, que os nossos Light It Be não se fazem sozinhos.

Fotografias – Light It Be e Pinterest

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