Refrescante, cromaticamente exuberante, inebriante, rica, com assinatura e charme pessoais e um apreço quase emocional a peças de design de qualidade do tempo dos nossos avós. Em traços largos e grosseiros, assim se descreve este estilo emergente, que dá brado em algumas bem-sucedidas contas de Instagram e páginas de revistas da especialidade, interessadas em descobrir as novas tendências e movimentos estéticos. É o estilo Grandmillennial ou Granny Chic, fã de folhos e rematado a ponto-cruz. Ah, e com uma predileção por têxteis de renda e tricot, a lembrar as casas das tradicionais avozinhas. Mas há muito mais a dizer sobre esta tendência millennial.
Tradição e mais qualquer coisa
O que faria se herdasse boas peças de mobiliário e elementos decorativos da casa dos seus avós, ou bisavós? E se além de lhes reconhecer qualidade ainda se sentisse afetivamente ligado a esse passado feito de histórias que não lhe foi permitido viver? E se toda a estética decorativa de então rimasse com o tipo de vivência que quer imprimir à sua casa e com a qual se sente confortável? E se não se incomodasse que um objeto fosse apenas decorativo, uma memória que quer preservar, um souvenir de um lugar que ama? E se, por vida de um olhar revivalista, desse valor aos lavores que imprimem um toque pessoal numa almofada bordada? E se a tudo isso, a todo esse ambiente de casa de avozinha encantadora, somasse a sua experiência pessoal, traços da modernidade em que vive e tudo misturasse com naturalidade? Bom, nesse caso você seria grandmillennial, ou granny chic, um conceito que pode ser traduzido por novo tradicionalista. Alguém com apreço pela tradição, à qual acrescenta um twist de irreverência.
Paz, continuidade e segurança
O estilo Grandmillennial surge em força, ou dele se dá conta de forma mais notória, em plena pandemia. Uma época de incertezas e receios, em que, forçados a permanecer em casa, passámos a valorizar o conceito lar, e a desejar que o mesmo seja um reflexo pessoal das nossas vivências e memórias, viagens, projetos, aspirações e gostos mais exclusivos e individualistas. Um período em que nos cansámos de perceber que a casa não deve, não pode ser apenas mais uma réplica de uma página numa revista de decoração, igual a tantas outras, mimetizando tendências ao minuto, decorada com mobiliário produzido em massa e de qualidade inferior, a necessitar de substituição cíclica e que encontramos em milhões de outras casas pelo mundo fora. Sem identidade. Sem alma. Sem coração ou rasgo de criatividade. Sem cunho original. Percebemos, graças a um vírus letal, que a nossa individualidade, a nossa casa, os nossos gostos pessoais e a história da nossa vida são únicos e é como tal que devem ser apresentados ao mundo. Um tempo em que percebemos que cada casa deve ser única, pessoal e intransmissível. O nosso mais precioso cartão de visita, menos para quem é, de facto, visita, mas mais para quem a habita. Assim, este regresso ao passado é quase uma viagem ao interior de cada um, a tudo aquilo que traz paz, continuidade e segurança ao nosso chão sagrado.
Qualidade, originalidade e durabilidade
Mais conscienciosos da urgente necessidade de políticas ambientais efetivas e eficazes, prementes e envolventes, os millennials não alinham na cultura de produção em massa, do descartável e do desperdício gratuito. Esta nova geração dá valor ao substantivo, ao caráter permanente e duradouro de boas peças, e valoriza ainda mais o facto de puderem ser objetos recuperados, vindos de uma era em que tudo era feito para durar e não apenas para sobreviver a uma estação ou tendência momentânea. Uma época que aliava ainda a funcionalidade, o design, a estética e a resistência e qualidade dos materiais em peças bem editadas e produzidas. Assim nasce este bric-à-brac, esta miscelânea de coisas que julgávamos esquecidas na casa dos avós. Naperons e ponto-cruz, mobiliário de bambu e verga, padrões florais e botânicos, porcelanas – com predileção pelas porcelanas brancas decoradas a azul ou delicados desenhos florais primaveris –, e ainda bibelots, papéis de parede de cores fortes e grafismos exuberantes, mistura de tons e matérias-primas e sobre os quais se lança um olhar novo.
Não é desordem, é riqueza e paixão
O aparente excesso de informação, que entra em contraste direto com o mais depurado mainstream, de tons terra e inspiração orgânica, o Grandmillennial, pela sua exuberância, aparenta desordem, confusão e caos visual. Por não ter receio de misturar, e disso fazer gala, na medida em que nada parece ser mais importante do que qualquer outra coisa, tudo parece conviver numa estranha harmonia, mas a verdade é que esta lá está. No ADN desta linguagem estética, há uma linha condutora, mesmo quando tons e padrões parecem digladiar-se. Mas essa perceção implica lupas que a imagem global esbate numa espécie de espetáculo visual agradável e acolhedor que emerge de uma ampla e rica paleta de cores. Além de que, não esquecê-lo jamais, o estilo Grandmillennial ou Granny Chic não pretende impressionar quem vem de fora, nem inspirar tendências. Ele limita-se a agradar e a aconchegar os que vivem dentro e a quebrar com a esterilidade de ambientes neutros e padronizados.
Fui eu que fiz
Outro traço distintivo deste estilo, na sua versão mais caseira e genuína, é que não contempla decoradores profissionais, na medida em que resulta de uma coleta particular e muito pessoal de peças e objetos com significado afetivo, com uma estética emotiva, com ligação a memórias e sentimentos, ou apenas vontade de recuperar uma boa peça a que ninguém mais liga. Isso implica colocar mãos à obra. Impõe envolvência e fica no lugar oposto ao da contratação de um profissional. Neste estilo, cada um é o profissional mais certo e adequado.
Visitar uma destas casas é entender muito sobre quem lá vive. Cada parede, cada recanto conta uma história, uma vivência, um gosto particular. Há coleções de artefactos (pratos, bules, fotografias, castiçais…), algumas heranças, peças vintage e velharias, instantâneos de uma viagem, uma dedicatória num quadro, uma frase inspiradora numa almofada e tudo, mas tudo mesmo, tem um significado, uma razão de ser que não a mera superficialidade de poder vir a ser observado ou fotografado para uma página de Instagram ou Pinterest.
O resultado, por vezes meio atulhado, tem ordem e método, critério e disciplina, e é uma explosão de personalidade e requinte, onde charme, velho, novo, revivalismo e modernidade não se autoexcluem, antes se potenciam.
Viva a chita!
Neste quadro geral, não existem elementos mais importantes do que outros, podendo uma requintada peça de porcelana dormir lado a lado com umas simples e honestas cortinas de chita. Tradição, design neo-vitoriano, estilo maximalista, matérias-primas naturais. Reúna tudo isto e reserve. Adicione as peças de que mais gosta e sem as quais não se imagina a viver. Lance sobre tudo isto um olhar requintado e tempere com aquele toque de antiguidade chique e ficará perto dos pressupostos base deste novo velho estilo, também designado de novo tradicionalismo. Tal como qualquer avó faria quando o recebia para o lanche: exiba o serviço de chá florido, toalhas de mesa bordadas à mão, naperons de renda a cobrir o cesto do pão, boleira de três pisos para os scones, mistura de padrões, cores e texturas, têxteis naturais, coleções de objetos com uma linguagem comum… Já entendeu, certo? Agora, só falta o principal: coração. Pois, nesta decoração tem de deixar parte de si, das suas emoções, gostos mais particulares, paixões, manias… A ideia é dar-se a conhecer à sua própria casa, numa espécie de relato intimista e confessional, com sentido de humor e detalhes supérfluos, mas essenciais para que fique, de facto, a nu, de forma sincera. Simples!
O extra necessário
Desconcerto. Não obstante tudo o que já foi dito, a cereja no topo desta receita gourmet, rica em calorias e tudo o mais, é o elemento surpresa, o fator inesperado. Não basta a coleta de peças antigas. Não basta misturar padrões, texturas e cores, não basta agrupar e exagerar um pouco, há que dar a tudo isto um toque atual, contemporâneo. Daí resulta o estrondoso sucesso de um estilo cuja sofisticação e elegância resultam da harmonia e bom gosto com que se apresenta toda esta cacofonia de origens, materiais e informação visual. História familiar e pessoal, pedaços do passado e do presente, tradição e contemporaneidade unem esforços numa elaborada trama intencionalmente tecida, onde tudo tem lugar porque tudo tem significado. Um patchwork emocional que conta uma bem enredada novela pessoal, na qual está intimamente ligado a todos os objetos, à sua origem, história e época. O classicismo reinante e o facto de a beleza dos objetos não se esvair com o tempo, faz com que tudo se harmonize de forma singular e inesperada.
O que é preciso para ser Granny Chic
- Folhos
- Padrões
- Bordados, renda e tricot
- Coleções de objetos
- Boa disposição das peças, cores e padrões
- Apreço pela tradição
- Ligação afetiva com os elementos decorativos
- Saber interligar diferentes linguagens
- Predileção por materiais e design de qualidade independentemente da sua época de origem
- Pendor maximalista
Se eu fosse uma casa
Uma casa Grandmillennial traduz literalmente os gostos, afetos, motivos de felicidade e orgulho, a personalidade e a vivência dos seus habitantes, num registo intemporal, como a memória, infinito como os afetos, multi-enriquecido por todo o tipo de experiências e lugares visitados e sonhados. Situa-se perto de um álbum de família, com rostos que nos preenchem o coração, ou de um jardim de memórias e afetos, onde flores silvestres e a mais delicada orquídea não rivalizam em importância.
Isto implica alma de artista, para manusear e gerir diferentes suportes e esgrimir uma panóplia de materiais, e conjugá-los com harmonia e bom-gosto. Saber ir recuando para observar a obra e perceber quando há ainda coisas a acrescentar e quando dar a obra por finalizada. Como qualquer obra de arte, implica um processo, um método e amor e dedicação à causa.
Está na hora de recuperar o candelabro de cristal e a camila coberta com chita da casa da sua avó, os quadros com motivos florais e aquelas peças cerâmicas Bordalo Pinheiro, que enchiam as paredes da cozinha. Está tudo a aguardar que conte a sua história e a espalhe pela casa. A sua casa.
Fotografias – Pinterest
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