A casa é um espelho
A casa deve sempre refletir os seus habitantes. Gostos, preferências, idiossincrasias, obsessões, modos de vida, história afetiva, paixões, rotinas, memórias, sonhos e aspirações. Uma casa deve espelhar os rostos que nela circulam e saber acolher os que vêm de fora, por uma hora ou para toda a vida. Uma casa onde tudo isto esteja à flor da pele, onde tudo e qualquer coisa é capaz de contar uma história, distancia-se em tudo de um mero habitáculo onde passar a noite para se apresentar como um lugar mágico, sensitivo e cheio de vida, mesmo na ausência do elemento humano, mesmo no escuro, mesmo quando se fixa numa fotografia. Mais do que estilos de decoração, uma casa é feita de coração e memórias, únicos capazes de transformar quatro paredes num lar, uma morada num ninho, um habitáculo num colo.
Esta será sempre a grande, a primeira e única regra indispensável e germinal de qualquer projeto de decoração. De tão óbvia, não a contabilizamos nesta conversa. Esta base emocional e vivencial, que lança pela casa pistas sobre quem somos e como somos, que se pinta das nossas cores prediletas e se veste com os xailes da nossa memória, é a terra e a semente e apenas sobre ela faz sentido somar o resto, seja ele qual for.
Este texto é precisamente sobre esse resto, o qual, aqui, se limita a três pilares orientadores sobre como apresentar essa parafernália de bric-à-brac afetivo, gostos e opções de vida, para que façam sentido a quem nela vive e a quem para ela é convidado, de forma que seja sempre um sítio caloroso, hospitaleiro, atraente, harmonioso e sedutor, onde apetece ir e, mais importante do que isso, onde apetece voltar e ficar.
Uma casa assim tem muitos rostos, muitos estilos e pode apresentar-se de mil e uma maneiras, exatamente por espelhar quem nela vive. Todavia, há necessidade de uma ordem, de uma apresentação e de uma linguagem, da mesma forma que as letras necessitam de palavras, estas de frases e estas, por sua vez, de gramática, sintaxe e ideias. Sem essas pequenas leis invisíveis, mas omnipresentes, não conseguiríamos comunicar e a simples possibilidade de um poema ou canção seria mero delírio utópico.
É neste preciso ponto que entra aquilo que podemos designar de regras básicas de decoração, ou decoração para totós, que mais não são do que pontos de referência que permitirão a cada um gerir a sua própria linguagem estética, definir o seu estilo. De outro modo, a receita é sua, deixamos-lhe apenas dicas para o empratamento, porque, como se sabe, os olhos também comem e a gramática do design de interiores está sempre a trazer novas formas de se mostrar ao mundo, sem as quais, toda a sua riqueza pessoal pode parecer desatualizada.
Fazer esse upgrade cíclico é bem mais simples do que trocar de telemóvel, e nem corre o risco de perder dados ou fotografias, mais ainda segundo os novos critérios de bem-estar e comodidade, agilizados por um design cada vez mais desempoeirado e despretensioso. Opções que valorizam a nobreza das matérias-primas naturais, a sua durabilidade e beleza intrínseca, em sintonia com o devido respeito pelo meio-ambiente e o futuro, o nosso e o do planeta.
Assim, agarre na sua bagagem emocional, em todos os seus ‘tarecos’ afetivos, em todos aqueles objetos sem os quais não se imagina viver, os recuerdos de todas as viagens realizadas e sonhadas e organize o seu paraíso na Terra. Tudo isto sem sair de casa, pois é nela que deve trabalhar. Segundo a nova cartilha, a decoração deve assentar em três pilares basilares: simplicidade, conforto e impacto. Sabemos bem que cada uma destas palavras significará coisas diferentes para pessoas diferentes, mas resultará com a mesma eficácia seja qual for a intensidade com que se interpretar cada uma destas normas orientadoras, porque a subjetividade, neste caso, tem essa capacidade de se reger pelo princípio da comutação. Seja qual for a ordem ou valor das suas somas, todas falarão por si.
1 – Simplicidade
A necessidade de despojamento, de valorizar o essencial, de rejeitar acumulações ‘poluidoras’ da estética geral, de reduzir o impacto visual e financeiro de cada opção, de respeitar os recursos e apostar nas grandes peças decorativas ao invés de numa panóplia de ‘miudezas’, reflete o espírito dos tempos e as urgências ambientais do momento. Optar pela simplicidade está para a decoração como descomplicar está para a vida. Aligeire, desanuvie, destralhe e desentulhe os espaços.
Os adeptos de ambientes mais maximalistas podem ganhar muito com base no conceito da simplicidade. Sem perder a opulência de ambientes mais cheios de informação, a simplicidade permitirá dar nova ordem aos objetos, organizá-los de forma mais clara e linear. Um amontoado de caixas de fósforos ou qualquer outro tipo de ‘coleção’ ganham novo destaque se emoldurados, criando novos padrões e dando outro sentido estético ao que poderia ser apenas um aglomerado de paralelepípedos de papel que se acotovelavam numa taça.
Ao invés de um aparador a rebentar pelas costuras de molduras, porque não forrar uma parede com essas mesmas memórias com base num esquema e emolduramento que crie harmonia enquanto dá ainda mais destaque ao que tanto significado tem?
Há muitas formas de simplificar uma casa, sendo que a mais óbvia é mesmo a de deixar que tudo respire e se exponha sem sufocos mútuos. Aposte em peças funcionais, que sirvam de facto um propósito elementar, sem cair no erro de achar que tem de preencher cada centímetro da casa, apenas porque há espaço. Opte antes por enchê-lo de luz e boa energia, incluindo LED.
Áreas amplas e desanuviadas permitem que cada peça de mobiliário ou elemento decorativo sejam mais visíveis e significativos. Libertar espaço também liberta a mente. Além disso, limpar o pó torna-se mais fácil e apelativo. Descomplique.
Uma limitada paleta de cores neutras e quentes não apenas economiza no dispensável garrido, como criar continuidade e coesão, permitindo que todas as áreas intercedam a favor do pretendido ‘casulo’, cozy e convidativo, charmoso e elegante. Beges e castanhos-claros cumprem bem esse propósito, já que permitem ambientes diurnos claros e amenos, que se vão amornando com o cair da noite. São ainda tons calmos e permeáveis a outras cores. São quase uma película ‘transparente’ sobre a qual aplicar qualquer estilo ou estética, qualquer cor extra ou paixão.
Os tons terra são ainda uma opção que ganha pela constância e intemporalidade, sendo difícil que deles nos saturemos. Pois eles têm a cor da terra e da argila, das searas e da madeira, da pedra e dos caminhos, da fauna e de muita flora e com eles se pinta grande parte de todo o planeta. Podemos exibi-los em exclusividade, ou contrastá-los com apetites sazonais e cores relâmpago que se colem a uma cortina, almofadas, fotografias ou quadros. Eles tudo permitem e tudo servem com humildade, respeito e enorme elegância. Ainda amornam ambientes, em época de frio, refrescam-nos em dias de estio, relaxam a alma e convidam ao descanso. Que mais se pode exigir de uma cor?
2 – Conforto
Pode ser bonito, ou até lindo de morrer, mas se não promover o conforto absoluto, então não é verdadeiramente design inteligente, nem um essencial, nem vai servir o propósito a que se destina. Isto é muito óbvio quando se trata de uma cadeira ou sofá, mas o mesmo critério deve ser tido em conta na aquisição de qualquer peça. É uma manta muito gira, mas pica a pele, logo, onde e quando será usada? O mais certo, no final, é que acabe por nunca ser usada. O conforto tem a ver com ergonomia, textura, matéria-prima, tato, cor e uma sensação, ou perceção pessoal, de bem-estar. Uma cor quente, almofadas de algodão puro, cortinas de linho selvagem, uma coberta de veludo, um cadeirão de lã… Os sentidos são intuitivos e o corpo sabe bem aquilo que melhor lhe serve.
Não deixe que a decoração vire costas a uma janela panorâmica, nem uma lareira sozinha a um cato, sem assentos apetecíveis por perto. Cheire, toque, sinta e experimente. Sem os restantes sentidos, os olhos deixam-se enganar facilmente. Não caia no erro de se enamorar apenas pelo belo sem utilidade, nem pelo utilitário desfasado do resto da estética reinante. Conforto é aconchego, é aquele cadeirão feito ao nosso corpo, um edredão de penas fofas, um recanto acolhedor que adora ler os mesmos livros que nós, é a luz natural no verão e o candeeiro de luz dourada e morna no inverno. É o toque da lã de ovelha, a solidez da madeira sem artifícios e aquela aura das peças feitas manualmente, em teares ancestrais e oficinas de antanho, ou nascidas de novos e inspirados criadores disto e daquilo, incluindo cada um de nós, com a sua arte e engenho de chegar mais perto daquilo que nos faz feliz e torna a nossa toca mais especial e aconchegante.
A felicidade tem tudo a ver com luz, pelo que o aconchego chega sempre pela mão da iluminação, a qual deve ser bem planeada, para que todas as áreas ganhem intensidade e visibilidade e qualquer tarefa possa ser realizada com a mesma ligeireza e prazer de dia ou de noite. Crie impacto com candeeiros que cumprem ainda uma determinante função decorativa, que sejam apelativos, que repliquem o seu ADN e o bê-a-bá da linguagem reinante, ou que dela de demarquem impondo-se de forma artística no quadro geral. A este respeito pode bem inspirar-se na vitrine virtual da Light It Be, onde cada peça se assume na decoração como uma obra em destaque.
3 – Impacto
Este ponto é crucial. O investimento deve recair em peças significativas, impactantes e com alguma escala. Atmosferas acolhedoras, simplificadas e calmas, do tipo que permitem que nos sintamos centrais e essenciais numa casa, não nascem de espaços atulhados e opressivos. Aposte nas peças elementares e principais de qualquer divisão: tapetes, mobiliário e candeeiros – sempre os candeeiros. Dê outra tanta atenção aos têxteis. Cortinas, mantas e almofadas ajudam a criar ambiente, conferem textura e permitem a introdução coreografada de cores e padrões. Além de que conforto sugere desde logo têxteis e coisas fofas onde repousar o corpo e o espírito. Jarrões, espelhos, quadros e molduras são igualmente peças visuais elementares, cujas dimensões devem ser proporcionais ao espaço que ocupam. Com a devida escala, evita-se o desejo de preencher mais e mais.
Simplicidade, conforto e impacto, na verdade, funcionam tão bem em projetos de ‘decoração’ como em assuntos ‘de coração’. Também os bons amores não complicam, acolhem-nos bem e a qualquer hora e fazem-nos sentir palpitações.
Fotografias – Light It Be e Pinterest
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