A sempre recorrente e assertiva estética dos anos 70 do século passado continua viva e de saúde. Não apenas isso como regressa ciclicamente com ainda mais vitalidade. Neste momento, ela impõe-se e não apenas nas passerelles, como também na decoração de interiores onde, volta não volta, entra pela porta grande, como é o caso. Além da recuperação de algumas das suas cores de eleição – amarelo, laranja, azuis e castanhos saturados –, 2022 tem assistido ao regresso de linhas curvas, formas arredondadas, principalmente em mobiliário de madeira, mas consistentemente em qualquer peça de decoração ou tipo de material, e mesmo em projetos arquitetónicos, todos eles em torno de traçados curvilíneos. É o merecido descanso do rígido ângulo reto, da régua e do esquadro.
Ao ritmo do compasso
Fonte de inspiração inesgotável, pela revolucionária criatividade artística e cultural e pelos avanços sociais que conquistou ao nível das liberdades individuais, por conta de movimentos que brandiam lemas tão sedutores como igualdade e liberdade, os anos 70 mantêm lugar cativo no nosso coração, onde tudo isso ecoa ao som da Motown, mas também do punk londrino. Ainda ressoavam na mente da Humanidade as suaves pisadas de Armstrong na superfície lunar e já Major Tom, de David Bowie partia à aventura no espaço sideral, que tuteávamos como crianças de roda de um novo brinquedo. Foram anos explosivos, garridos, excessivos no tamanho dos colarinhos, das plataformas e das bocas de sino, mas também no desejo de fazer mais e diferente. Talvez por isso, estejamos culturalmente tão devedores de tudo o que se ousou, artística, social e culturalmente nessa década psicadélica e absurdamente produtiva.
Vamos dar uma curva
Um dos ecos que ressoa na decoração de interiores por estes dias prende-se com o traçado curvilíneo. Ele manifesta-se na nobre madeira, sempre tão humilde e recetiva a qualquer proposta, e replica-se na moda e na própria arquitetura, onde tudo se disponibiliza a dar aquela grande curva, contornando a rigidez do ângulo reto e limando toda e qualquer aresta. Amenizam-se contornos, suavizam-se formas, ergonomizam-se os ambientes, agilizam-se movimentos.
Mais ‘compreensivo’ e amigável, o traço curvilíneo harmoniza-se com o manuseamento, os movimentos e deambulações dos usuários dos objetos e dos habitantes e frequentadores dos espaços. Tudo se torna mais convidativo, mais natural e consentâneo como a própria arquitetura da Natureza, onde os ângulos são exceções que a própria erosão, os ventos e a chuva – braços armados do universo natural – se apressam a amenizar e a polir. Nesta dinâmica que faz a apologia da fluidez ininterrupta dos materiais, ganha-se em suavidade e em liberdade de movimentos. O próprio olhar corre mais célere sobre superfícies curvilíneas, sem o cansativo marasmo da reta a perder de vista.
Espírito vintage
Nesta, também ela cíclica viagem por estéticas passadas, perdura um certo espírito vintage. Uma reciclagem que recupera peças intemporais, cuja qualidade do design – aferido pela sua capacidade de se manter atual, funcional e bonito ao longo do tempo – se mantém intacta e desejável. Um olhar de respeito por tudo aquilo que foi bem feito e que deve ser preservado ou replicado. Tal como na moda, velhos nem os trapos, desde que os materiais sejam de qualidade, resistentes e bem trabalhados. O produto do trabalho de um bom costureiro ou de um exímio marceneiro não se desgasta com o tempo, mesmo quando as inconstantes modas tentam adjetivá-lo de démodé. Basta aguardar mais uma temporada, mudar-lhe, talvez, uns botões ou puxadores, porque a qualidade jamais sai de moda.
Às voltas por aí
O futuro vai-se compondo de releituras do passado, às quais acrescenta a sua própria visão e cunho inovador. Daí que tudo surja com ar de novo, revisto e atualizado, como qualquer nova versão de um programa informático. As novas voltas do design recuperam a ondulação circular, mas confere-lhe atualidade e novidade. Mais adequada ao jeito do corpo humano, a volumetria nascida de traços curvilíneos é promotora de conforto e enche o olhar de volúpia. Apetece passar a mão pelos contornos suaves, circular por um corredor que dança e subir umas escadas que rodopiam. Há mais música na curva, mais ritmo e mais notas num traçado sinuoso e por isso ele é tão mais apetecível à vivência e convivência diárias.
Não há linhas retas numa floresta, nem ângulos retos nos ramos de uma árvore, nem conchas quadradas. À nossa volta, na Natureza, tudo flui como a água, tudo se orienta por ciclos e círculos que se repetem, moldando-se às conveniências, às estações, aos moods e às próprias voltas do planeta na sua ronda elíptica em torno do Sol. Há ainda uma perceção de pureza e de perfeição, já que nada parece tão certo, acertado, correto e perfeito, natural e espontâneo como um círculo, ainda que imperfeito. Assim são as novas casas e as novas peças de design, mais respeitadoras dos fluxos naturais, mais moldadas à mão, ao corpo e à liberdade de movimentos. Vai mais uma volta?
Fotografias – Light It Be e Pinterest
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