O conceito nasceu no Japão e une as palavras shinrin – que significa banho – e yoku – que designa floresta –, e define-se como calmas incursões terapêuticas pelos bosques, onde a única coisa a exercitar são os sentidos, a atenção e a concentração, através da conexão com a floresta. Um exercício promotor de paz interior e equilíbrio físico, mental e espiritual. Um estado de harmonia plena com a Natureza, promotor de bem-estar que tem dado provas sólidas de ser um preventivo e inteligente agente no combate ao stress, uma das maiores epidemias dos nossos tempos, reflexo dos descompensados estilos de vida atuais.
Uma métrica muito poética
Claro que há poesia numa prática que sugere um mergulho no verde. Em todas as versões de verde e ainda naquelas outras cores de que se tingem bosques, florestas e matas no decurso de cada estação do ano, que uma floresta não se faz apenas de verde, ainda que fresca e maioritariamente assim seja. Claro ainda que é apelativa a submersão na Natureza. O convite a pisar e a sentir a terra sob os pés, a experimentar a frescura da água de uma nascente, a perceber a textura da cortiça ou de um seixo. A ouvir a paisagem e os seus habitantes. Perceber os seus diferentes aromas. Notar a sua banda sonora constante. Absorver o ar puro. Experimentar a dimensão de um sentimento de humilde liberdade. No fundo, o convite a obedecer a algo primordial e ancestral: a comunhão com a Natureza, e voltar a perceber que somos apenas um elemento, um ser vivo num gigantesco ecossistema. Essa noção de pertença à terra e à Terra, essa perceção das nossas raízes biológicas, porém, não é apenas poesia ou figura de estilo, com o mero intuito de embelezar um qualquer início de texto. Tal como a entendem cientistas, já um pouco por todo o mundo e não apenas a oriente, esta é, hoje, uma terapia potentíssima, com propósitos de cura medicinal e bem-estar. Resulta de uma visão holística do planeta e seus seres vivos, que tem vindo a conquistar uma comunidade crescente em todo o mundo. Uma terapia que repõe equilíbrios, que devolve e potencia energias e fomenta a vitalidade. Assim, é também um tratamento que rejuvenesce enquanto refresca a alma. Cientistas que se dedicam ao seu estudo chamam-lhe medicina preventiva. Na Oficina da Luz da Ligh It Be, o conceito suscita rasgados sorrisos. Até porque guardamos um segredo, que jamais colocamos em voz alta, por acharmos que nem todos nos compreenderiam: gostamos, de longe, muito mais de árvores do que de flores e gostamos ainda de abraçá-las. Sim, somos loucos, mas como diz Caetano Veloso, “de perto, ninguém é normal”.
Dados científicos
Há uma tão profunda e clara lógica no conceito, uma enunciação tão gráfica da atividade, a começar desde logo pelo seu nome, que não necessitamos sequer de tomar o nosso primeiro banho de floresta para perceber como um calmante passeio pelo meio de árvores, respirando ar puro, sentindo o ritmo da Natureza e deixando que o coração bata a compasso, sem pressas ou urgências de relógio, em plena contemplação, que nos deixa tempo para sentir, apenas estar e refletir, é algo relaxante, libertador de stress, eliminador de ansiedade e potenciador de um enorme bem-estar. Só a ideia abstrata de um banho de floresta já é retemperadora.
Não se entenda o Shinrin-Yoku como uma alternativa ocupacional para adeptos da vida ao ar livre, ou algo próximo de uma louca terapia de índole hippie. No Japão, o Shinrin-Yoku assume-se como medicina, uma das mais válidas ferramentas no combate ao karoshi, um termo que extrema aquilo que por cá nomeamos de burnout, já que é a morte por excesso de trabalho, e que é um dos mais nefastos flagelos da sociedade nipónica, responsável por milhares de mortes por ano. Os banhos de floresta são um dos braços armados contra o neurótico frenesim para o qual a vida contemporânea tem empurrado dos habitantes das grandes urbes. Não admira, portanto, que seja uma terapia meritoriamente reconhecida, incluindo pelo Sistema Nacional de Saúde do país do sol nascente, com direito a uma conceituada Sociedade Japonesa de Medicina Florestal. Em França, outro grande adepto da terapia das árvores, onde ganhou o nome de Silvoterapia, começa também a ser objeto de estudo, por parte de várias áreas do saber, incluindo biologia e medicina.
Desde a década de ‘80 do século passado que inúmeros estudos dão conta dos benefícios do contacto com a Natureza ou da prática de atividades como a jardinagem ou a manutenção de uma pequena horta. Está estabelecida uma relação direta, por exemplo, entre a longevidade e a jardinagem, como dão conta alguns estudos de cientistas que se dedicam a perceber porque é que a maioria dos centenários do planeta se centram nas ditas Blue Zones: Ikaria, na Grécia, Loma Linda, no estado californiano dos Estados Unidos da América, Sardenha, em Itália, Okinawa, no Japão, e Nicoya, na Costa Rica. Entre os fatores que as comunidades destas cinco zonas do globo partilham entre si – uma sólida rede social de apoio, a prática diária de exercício físico, uma dieta rica em vegetais – estes ‘centenários’ têm ainda algo extraordinário em comum: a jardinagem, com a qual se ocupam mesmo depois de atingirem os 80, 90 ou mais anos. Por implicar um estilo de vida ao ar livre e proporcionar uma atividade física moderada, a jardinagem começa a ser vista como um agente de longevidade. Acompanhar os ciclos naturais da terra, da sementeira à floração, permite ainda uma constante projeção no futuro, que também não será alheia aos altos níveis de longevidade nestas zonas. Parece que está mesmo na hora de arranjar um jardim e/ou uma horta. Melhor ainda se forem comunitários, já que se fortaleceria mais uma rede social informal, sempre as mais desejadas e as de maior proximidade. Sobre este tema, onde ainda se estabelece a relação entre jardinagem, concentração e bom humor, por exemplo, pode ler esta recente reportagem da BBC. Mas prepare-se, vai ficar com ganas de meter as mãos na terra. É que não se trata apenas de viver muitos anos, mas bons anos.
O que diz Qing-Li
Qing-Li, médico imunologista, diretor da Sociedade Japonesa de Medicina Florestal, autor de livros sobre o tema e um dos maiores entendidos mundiais na arte dos banhos de absorção da floresta, ou Shinrin-Yoku, ao estudo da qual dedicou as duas últimas décadas, relaciona a capacidade curativa desta terapia a um sem número de doenças, incluindo a sua eficácia na prevenção do cancro, por aumentar o número e a atividade das células naturais que combatem células invasoras. Reduzir o stress, a pressão arterial e o ritmo cardíaco, agir como fator relaxante a nível psicológico, mitigar sintomas de depressão, ansiedade, irritação ou fadiga são outros dos benefícios desta atividade de caráter energizante.
Shinrin-Yoku em seis passos
Estas são as únicas palavras mágicas a que se deve dedicar durante um banho de floresta:
Respirar
Há claramente, informam os entendidos, um lado medicinal no ar da floresta. Odores próprios a cada espécie florestal, que potenciam diferentes resultados. Ou seja, basta fazer aquilo que todos fazemos até de olhos fechados e mesmo a dormir: inspirar e expirar. Um exercício com enormes benefícios quando se está rodeado de ar puro, fresco e vibrante.
Relaxar
Não leve relógio ou, se levar, não o consulte. Está na hora, é certo, mas apenas de descontrair. Descomprimir. Dar primazia aos sentidos. Permitir-se ver cada detalhe. Ouvir cada som. Saborear cada estação. Palpar novas texturas. Parar em cada tema que suscite a sua atenção. Será atenção que estará a dar a si próprio. Perceba, na copa das árvores, os irrequietos bordados que nascem do crochet entre luz e sombra e permita-se ver coisas nas quais jamais reparou.
Vaguear
Deambule pela mata, sem pressas, ou corridas, pois o propósito não é fazer o seu jogging ou qualquer outro exercício que não o da descontraída contemplação da paisagem. Observe as árvores. Retenha o momento. Capte fotos mentais e espirituais da experiência.
Tocar
Sim, se quiser tire os sapatos. Sinta o húmus, a matéria orgânica sob os seus pés. O fresco da terra ou de um regato de água. Perceba as diferentes texturas dos troncos, cheire a casca das árvores, sinta o toque sedosos das folhas e os diferentes recortes destas. Perceba como o ar matinal tem um sabor distinto daquele que a floresta exala ao entardecer. Aprenda a distinguir as árvores. Remexa a terra entre os dedos e não tenha medo da lama. É apenas terra e água, o mais desejado cocktail das nossas infâncias.
Ouvir
Prepare-se para um concerto non-stop. O vento no topo das copas, a brisa na folhagem, a azáfama dos insetos e o zumbido das suas asas, o piar de um sem fim de espécies de aves… Este é o silêncio da floresta. Sorria-lhe. É quase tão vibrante quanto o fundo dos oceanos. Basta saber ouvir.
Curar
Apreciar. Deixar-se levar. Participar. Estar grato pelo momento. Pelo papel das árvores na nossa sobrevivência. Olhar os vários tons de verde, amarelo, vermelho, castanho ou qualquer outra cor, e deixar-se inebriar pela beleza selvagem de um reino onde tudo faz sentido e onde tudo tem um lugar. Onde tudo desempenha um papel. A Natureza é o verdadeiro país das maravilhas. De todas as maravilhas. É esta a cura que o Shinrin-Yoku propõe. Uma cura que se situa ao nível da prevenção.
Se esperava outro tipo de milagre ou medicação… terá de procurar outra terapia.
Banhos de floresta por cá
Em Portugal, bem como em toda a Península Ibérica, há passeios, programas e retiros para todas as idades em diversas matas e serras do país. Se já está interessado, visite o site do Instituto de Banhos de Floresta e fique a saber tudo, ou aproveite para tirar dúvidas, ou mesmo agendar já o seu primeiro banho de floresta. Depois, conte-nos como foi.
Uma nota final para os céticos
Pelo muito que lemos e apurámos, pelo exemplo nipónico, com décadas de estudos académicos sobre o tema e de prática corrente desta forma de terapia, importa deixar uma nota para os céticos e um alerta geral: Não se trata de uma seita. Não há mesinhas, nem há terapeutas de Shirin-Yoku. Apenas guias e gente a precisar de direção. A única curandeira é a floresta. Ou seja, não estamos perante qualquer tipo de exoterismo ou malabarismo espiritual.
O mais curioso, ou triste, parece-nos, é que nos distanciámos tanto da Natureza, desprezámos tanto a nossa relação com o planeta, que, ao escrever sobre banhos de floresta, e receando ser mal-entendidos, achámos pertinente este tipo de ressalva. Que bom seria que tudo isto nos fosse tão óbvio que nada do que acabámos de escrever suscitasse narizes torcidos. Que tudo fizesse pleno sentido e todos estivéssemos já a acenar afirmativamente com a cabeça, pensando como esta é uma ideia simples e maravilhosa. Do tipo revigorante, que só pode mesmo fazer bem, elevar o bom-humor e inibir qualquer nível de stress.
Talvez por isso, de tudo aquilo que lemos, uma das frases que retivemos do investigador japonês Qing-Li tenha sido esta: “O Shinrin-Yoku é como uma ponte entre nós e o mundo natural.”
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